13 dezembro 2009

Bustos de Oliveira Salazar em estilo pop art, in Público 13 de Dezembro 2009, por Maria Lopes

A imagem do controverso político português continua a dar lucros 40 anos depois da sua saída de cena. Há um pintor que aplicou aos bustos de Salazar a colorida técnica da pop art.

É uma normal garagem de prédio, onde todos os espaços são aproveitados para arrumação e estacionar o carro é quase um trabalho de perícia. Nas prateleiras até ao tecto não cabe nem mais uma caixa de fósforos, o parapeito da janela é usado como bar - há ali garrafas antigas (mas ainda cheias) de Macieira e aguardente Barrocão -, e folhas de papel de embrulho protegem uma mesa improvisada na tampa de uma arca frigorífica. Em cima, a secar, estão vários bustos de gesso coloridos, com um palmo de altura, vigiados por um cartaz, na parede, onde se lê Is this a new form of art? ("é isto uma nova forma de arte?").
O Salazar branco alvo está tombado de lado, vigiado de perto pelos Salazar verde-alface, vermelho e rosa, preto com gravata vermelha, e azul com gravata rosa. Atrás, como que a tomar conta de todos, há duas pequenas estatuetas em tom ouro velho de Nossa Senhora. São figuras em gesso, pintadas, na sua maioria, a uma só cor, em nítido estilo pop art.
A avaliar pelo que diz o seu autor - só da pintura, já que as peças de gesso são compradas -, podem tornar-se na prenda-pouco-convencional-perfeita para o Natal que se avizinha. É que depois de publicar no seu blogue (atelierdofmf.blogspot.com) as fotos dos bustos de Salazar, Francisco Mota Ferreira tem recebido muitas encomendas. "Estou genuinamente surpreendido", afirma. A 20 euros cada um, ainda não chegam para umas férias muito abastadas, mas a verdade é que até já uma loja lisboeta se mostrou interessada em vendê-los.
Francisco Mota Ferreira pinta gessos há dois anos para oferecer à família e amigos. Há uns tempos "tropeçou" nuns bustos diferentes na loja onde compra as peças. "Deparei-me com bustos de Beethoven, Alexandre Herculano, Luís de Camões, da República, de Oliveira Salazar." Perguntou logo se havia mais bustos ideológicos. Que sim, haverá de Lenine, por exemplo, e talvez também de Mao Zedong. Será o próximo passo.
"É bom desconstruir conceitos", diz Francisco, admirador confesso da pop art. Tenciona agora fazer "duas maldades a Salazar": vai furar a cabeça para poder transformar o busto num porta-lápis, com lápis azuis - claro -, ou num porta-salazar, aquelas colheres usadas na cozinha para rapar as tigelas dos bolos. "A controvérsia é sempre interessante. E o que é polémico, pelo menos em teoria, vende", diz o pintor, lembrando que "em todas as campanhas eleitorais o fascismo, o Estado Novo ou referências a Salazar" têm lugar garantido. "Em vez de olharmos para a frente continuamos agarrados ao passado."

De tendência monárquica
O busto da República, por enquanto ainda no branco do gesso, também será alvo de uma "intervenção" diferente: vai pintá-lo de azul e branco, em homenagem às cores da monarquia. E outra em verde florescente, porque "a República devia estar bem viva". Deverão custar 35 a 40 euros.
A provocação é a base do seu trabalho. "Não é por acaso que Salazar em vermelho - numa "nítida conotação comunista" e em azul - "por causa do lápis azul da censura - têm mais sucesso. "O rosa também tem saído bem", comenta, sorrindo Francisco Ferreira. Mas quando se lhe pergunta se já tem algum busto de Salazar em casa, franze a testa e responde de imediato: "Não!"
O autor garante que ainda não recebeu qualquer mensagem irritada com as suas derivações pop art dos bustos de Salazar. Nem da família, onde existem todas as tendências políticas, da extrema-direita à extrema-esquerda, conta. "Nasci em 1972, no Estado Novo, mas obviamente não me lembro de nada. E para quem tem a minha idade ou 20 anos, Salazar é um ícone pop. Não serão os nostálgicos - que os há e muitos - a comprar estes bustos." Recorda, porém, que recebeu um e-mail com uma enorme explicação de um cliente a justificar por que queria três Salazares vermelhos.
"O meu objectivo não é político. É apenas artístico, de fazer algo diferente. Quanto mais fortes foram as cores, melhor. Para cinzentismo já bastaram 48 anos." Francisco já esteve muito próximo da política: foi jornalista nessa área e assessor. Diz não ser eleitor fiel, escusa-se a comentar preferências políticas e o mais perto que vai é confessar que "entre a República e a Monarquia, sou tendencialmente monárquico". Por isso, desse período, gostaria de pintar figuras como D. Carlos, D. Afonso Henriques e D. Sebastião.
Na parede oposta, Francisco Mota Ferreira expõe algumas das suas experiências, todas "com um estilo provocador": como a reconstrução do quadro Love de Robert Indiana, uma colagem de imagens de Roy Lichtenstein - um dos seus pintores de eleição - ou uma tela com o símbolo pacifista em areia com a inscrição "Peace is dead!".
Francisco Ferreira tem a sua primeira exposição marcada para Fevereiro, em Évora. Nessa altura conta já ter outros bustos de figuras históricas.



Sócrates e Portas em tons coloridos
Francisco Mota Ferreira imagina outras figuras

Ainda não têm bustos, para desconsolo de Francisco Mota Ferreira, ou os actuais protagonistas da política portugueses não escapariam ao seu pincel e tubos de tinta acrílica coloridos. "A ideia base é muito fair-play", avisa o pintor.
"Tendo em conta as últimas prioridades deste Governo, cederia à tentação de fazer um José Sócrates rainbow (colorido). Paulo Portas ou seria muito garrido ou então de cinzento ou preto muito carregado. Francisco Louçã, pelo seu percurso, seria obviamente amarelo", descreve. Jerónimo de Sousa em vermelho, claro. Então e Manuela Ferreira Leite? "Isso é uma maldade, ela está em transição. Mas deveria ser algo clássico, seguramente castanho. E colava-lhe um colar de pérolas", comenta, rindo.
E outros políticos? "Sá Carneiro, num incontornável laranja vivo. Álvaro Cunhal perderia o seu branco característico para dar lugar ao vermelho forte. E Mário Soares, que engraçado seria pintar as suas bochechas em pop art!" M.L.